Ter um diagnóstico de hemofilia, muitas vezes, assusta, e isso pode causar proteção excessiva da pessoa que tem a doença e até isolamento. Para evitar a limitação das atividades e o convívio social, a medicina está focada atualmente no conceito "hemofilia free mind" que reflete uma abordagem mais ampla visando à conscientização e inclusão para aqueles que convivem com a condição. A médica Mariella Chequi Della Piazza, hematologista pediátrica do Centro Infantil Boldrini, explica que a ideia é criar um ambiente em que os indivíduos possam viver plenamente, sem limitações impostas pelo estigma ou pela falta de compreensão sobre a doença. “Além do tratamento clínico, a educação sobre hemofilia desempenha um papel essencial na construção de uma sociedade mais acolhedora e informada”, afirma.
A hemofilia é uma condição hereditária que afeta a coagulação sanguínea, tornando o processo de cicatrização mais lento e aumentando o risco de sangramentos prolongados, principalmente dentro das articulações e dos músculos. Mariella explica que isso ocorre devido à deficiência ou ausência de fatores de coagulação, proteínas essenciais para o mecanismo de coagulação no organismo. Existem dois tipos principais: hemofilia A, que é causada pela deficiência do fator VIII, e hemofilia B, pela falta do fator IX. O Boldrini trata, atualmente, 170 pacientes com hemofilia.
Por ter deficiência de um dos fatores de coagulação sanguínea, o portador de hemofilia tem maior facilidade de sangramento, tanto por traumas como espontâneo, e maior dificuldade de controle de hemorragias. Tratamento preventivo e fortalecimento muscular são fundamentais para a qualidade de vida. “Iniciar precocemente o tratamento preventivo, com a infusão de fator da coagulação, que é a reposição intravenosa das proteínas faltantes no organismo de quem tem hemofilia, incentivar o fortalecimento muscular por meio de exercícios físicos, esportes e fisioterapia e inserir o paciente dentro das atividades da sua faixa etária e no grupo social em que convive é fundamental para que o hemofílico tenha autonomia e uma vida saudável”, afirma Mônica Veríssimo, hematologista e hemoterapeuta do Centro Infantil Boldrini.
Mariella reforça que hoje, graças à prevenção e profilaxia individualizada é possível fazer o paciente ter autonomia no tratamento. “Com isso, conseguimos fazer com que a doença não ocupe a sua cabeça no dia a dia, mas sim que as atividades cotidianas, esporte, lazer, família sejam prioridade na vida”.
Mônica frisa que o uso regular de fator de coagulação, mesmo na ausência de hemorragias, mantém o nível de proteínas elevado para prevenir os episódios de sangramentos. “O paciente disciplinado, que cumpre com a profilaxia prescrita pelo médico vai ter plenitude, praticar esporte, trabalhar, por isso, a adesão ao tratamento é imprescindível, para prevenir sangramento, manter a saúde articular e a qualidade de vida”.
No Boldrini, as áreas médicas, de enfermagem, fisiatria, fisioterapia, terapia ocupacional, educação física, odontologia, pedagogia, psicologia, nutrição trabalham programas individualizados para cuidar do físico e psicossocial de cada paciente e promover o estímulo à autonomia e vida plena. A proximidade das equipes da hematologia e da reabilitação, com as ações de suas equipes multiprofissionais, possibilita preparar o portador de hemofilia, desde criança, a desenvolver atividades físicas com segurança, sem a presença dos sangramentos. Com tratamento adequado, programa de treinamento individualizado e acompanhamento, o portador de hemofilia pode realizar atividades com segurança. O importante é ter cuidado redobrado com as articulações, joelhos, tornozelos, cotovelos, ombros e quadris, áreas mais afetadas pelos sangramentos.
O diagnóstico da hemofilia geralmente é realizado através de exames de sangue que avaliam os níveis de fatores de coagulação e o tempo necessário para o sangue coagular. “Em muitos casos, o histórico familiar é um indicador importante para a investigação da doença, que afeta predominantemente indivíduos do sexo masculino, já que está ligada ao cromossomo X”, diz Mariella.
Segundo a hematologista, o tratamento da hemofilia evoluiu significativamente ao longo das décadas. Atualmente, a terapia de reposição é o método mais comum e eficaz, e consiste na administração intravenosa dos fatores de coagulação ausentes. No Brasil os medicamentos são disponibilizados exclusivamente pelo Ministério da Saúde, de forma integral e gratuita pelo SUS. “Além disso, novas abordagens estão sendo pesquisadas, oferecendo esperança para tratamentos mais duradouros no futuro. O manejo da hemofilia também inclui cuidados preventivos para evitar lesões e sangramentos, além de acompanhamento médico regular”, alerta a médica.
Roberta Polidoro, mãe do Lucas, paciente que trata hemofilia no Boldrini, diz que foi impactante receber o diagnóstico, mas depois se sentiu segura ao ver os resultados que seu filho obtinha com o tratamento. “Num primeiro momento ficamos bem assustados, eu e meu marido. Pensamos que ele tinha de ficar em uma redoma de vidro, e não é assim. Existe o Boldrini que dá todo o suporte para seguirmos com uma vida normal, mas tem de seguir a profilaxia, fazer tudo o que a equipe prescreve”, diz.
Lucas foi diagnosticado com hemofilia aos 6 meses de idade. Logo no início já começou o tratamento e atividades físicas. Com acompanhamento, fez natação e integrou uma equipe para participar de competições. “Tomar fator sempre foi tranquilo e me dá segurança para praticar muitos esportes, até futebol. Tenho uma vida normal”, afirma o jovem que hoje tem 17 anos e manda um recado: é fundamental seguir o tratamento e praticar exercícios para fortalecer as articulações.