Bater o dedo na quina da mesa,
cair da escada, ralar o joelho ao andar de bicicleta são fatos do cotidiano das
atividades das crianças e jovens. Esses acidentes, que causam ferimentos leves,
podem ser um grande problema para quem tem hemofilia, uma doença hereditária
que afeta a capacidade da coagulação sanguínea e atinge principalmente os homens.
Por ter deficiência de um dos fatores da coagulação
sanguínea, o portador de hemofilia tem maior facilidade de sangramento, tanto
por traumas como espontâneo, e maior dificuldade do controle das hemorragias. Mas se
viver sem medo de se acidentar e com qualidade de vida é mais simples do que se
pode imaginar. Tratamento preventivo e fortalecimento muscular é a receita
unânime de especialistas que tratam de pacientes com essa doença.
“Iniciar precocemente o tratamento preventivo, com a
infusão do fator da coagulação, que é a reposição intravenosa das proteínas
faltantes no organismo de quem tem hemofilia, incentivar o fortalecimento
muscular por meio de exercícios físicos, esportes e fisioterapia, inserindo o
paciente dentro das atividades da sua faixa etária e no grupo social em que
convive, é fundamental para que o portador de hemofilia tenha uma vida saudável”,
afirma Mônica Veríssimo, hematologista e hemoterapeuta do Centro Infantil
Boldrini, referência no tratamento de doenças do sangue, que no próximo dia 17 de
abril realizará uma série de atividades para marcar o Dia Internacional da
Hemofilia e conscientizar sobre os cuidados com a doença.
A médica hematologista explica que o uso regular do fator da coagulação, mesmo na ausência de hemorragias, mantém o nível de proteínas elevado, prevenindo assim os episódios de sangramentos. “Essa profilaxia deve ser iniciada o mais cedo possível, para evitar também lesões articulares a longo prazo, em pacientes com quadro grave da doença, possibilitando uma vida plena”.
Para que o tratamento preventivo tenha efeito, a disciplina é fundamental. “Por ser um tratamento contínuo, o grande risco é a não adesão, pois os sangramentos podem ocasionar sequelas e até mesmo colocar o paciente em risco de vida”, alerta Suzi Braga, enfermeira do Ambulatório de Hematologia do Boldrini. Ela reforça que o sucesso da profilaxia se deve a uma ação conjunta entre paciente, familiares e equipe multiprofissional, que atua de forma integral para que o paciente hemofílico tenha qualidade de vida e possa desenvolver atividades rotineiras como estudar, trabalhar, praticar esportes, sem correr riscos.
O SUS (Sistema Único de Saúde) oferece gratuitamente infusão do fator, fisioterapia, psicologia, fisiatria, reabilitação e tratamentos com outros profissionais de saúde, necessários ao cuidado integral ao portador de hemofilia por meio da Hemorrede, com centros presentes em todo o país. O Boldrini é um desses centros.
“A proximidade das equipes da hematologia e da reabilitação, com as ações
de suas equipes multiprofissionais, possibilita preparar o portador de
hemofilia, desde criança, a desenvolver atividades físicas com segurança, sem a
presença dos tão temidos sangramentos”, diz Fernanda Barillari, fisioterapeuta do
Boldrini.
As atividades físicas e esportivas, segundo a fisioterapeuta,
proporcionam aumento de força muscular, melhora do condicionamento físico,
aumento da estabilidade das articulações e diminuição da frequência e
severidade dos sangramentos osteomusculares. “A prática esportiva, aliada a
programas de profilaxia, favorece a melhoria da qualidade de vida, com
consequente estímulo à socialização”.
Em conjunto com a reabilitação, o fisiatra tem papel fundamental para atuar
de forma precoce na saúde do sistema musculoesquelético. “O paciente hemofílico
é atendido visando aos aspectos preventivos do surgimento de dores, inflamações
e alterações funcionais do movimento, bem como, ao tratamento de alterações em
músculos e articulações”, explica Vanessa Sannomiya, médica fisiatra do Centro
de Reabilitação do Boldrini, onde as áreas de fisiatria, fisioterapia, terapia
ocupacional e educação física trabalham seguindo programas individualizados para
promover o estímulo à realização de atividade física, além de tornar possível a
independência e liberdade do paciente, em sua vida fora do centro de
tratamento.
“A prática regular de exercícios físicos, se bem orientados e adequadamente prescritos, é uma grande aliada do tratamento da hemofilia. Reduz os sangramentos, fortalece a musculatura, aumenta a mobilidade e favorece a reabilitação musculoesquelética, melhorando a qualidade de vida, promovendo o bem-estar e a integração social”, diz o educador físico do Centro de Reabilitação do Boldrini, Daniel Seixas.
Com tratamento adequado, programa de treinamento individualizado e devido acompanhamento, o paciente hemofílico pode realizar atividades físicas com segurança. Natação, corrida e musculação são algumas delas. A recomendação é restringir esportes que produzam impacto, como as lutas, boxe, karatê, judô. “O importante é ter cuidado redobrado com as articulações, joelhos, tornozelos, cotovelos, ombros e quadris, áreas mais afetadas pelos sangramentos”, observa Seixas.
“A prática de atividade física, esporte e exercício, é importante para crianças, jovens e adultos com hemofilia, pois pode preservar e melhorar a massa muscular e óssea, articulações, força, resistência, equilíbrio e prevenir doenças crônicas secundárias. Contudo, um treinamento físico de forma progressiva é necessário para preparar a musculatura e as articulações para desafios mais vigorosos”, completa o professor doutor Marco Uchida, docente do Departamento de Estudos da Atividade Física Adaptada da Faculdade de Educação Física da Unicamp, que desenvolve no Boldrini projeto na área de reabilitação e tecnologia. Ele também destaca a importância da atividade física para a melhora da qualidade de vida, aspectos sociais e emocionais.
Prova de que exercícios físicos ajudam a
proporcionar qualidade de vida a doentes crônicos, Boldrini e Unicamp se unem
para desenvolver novos projetos na área de reabilitação. “No momento estamos
finalizando um acordo para o desenvolvimento de projeto de pesquisa. Após
essa formalização, temos interesse de estreitar nossa parceria em
muitas outras áreas da saúde”, menciona Katia Capellaro, coordenadora de
assistência do Centro de Reabilitação do Boldrini.