No dia 08 de julho celebra-se o Dia Nacional da Ciência e do Pesquisador,
uma área do conhecimento e um tipo de profissional que ainda não têm o
protagonismo merecido no Brasil. É papel da ciência gerar conhecimento e
tecnologia, que por sua vez, transformam pessoas, geram inovação, produtos e
processos que, quando bem regulados pelo Estado, podem ser transferidos para
uma qualidade de vida melhor. Nesse contexto, um ativo de altíssimo valor
agregado é o pesquisador, indivíduo capaz de transformar conhecimento em
benefícios para a população.
Para isso, entretanto, é fundamental
que esses pesquisadores e cientistas estejam inseridos e vinculados à realidade
do país ao qual desejam estudar e ajudar, caso contrário, como conhecer a fundo
os problemas a serem solucionados?
Dessa questão nasce um dos principais
desafios brasileiros em pesquisa científica: como reter talentos? Hoje, somos
uma grande nação exportadora de cérebros e importadora de inovação e
conhecimento, o que nos torna dependentes de produtos tecnológicos
desenvolvidos no exterior e que gera uma balança comercial extremamente
desfavorável – além de distanciar pesquisadores e necessidades locais.
“A falta de investimento em formação
continuada e de reconhecimento do valor da pesquisa a longo prazo acarreta em
um hiato na formação de cientistas, na produção de conhecimento e no
desenvolvimento industrial que poderá levar décadas para ser superado”, afirma
a Dra. Silvia Brandalise, presidente do Centro de Pesquisas Boldrini, maior
centro de pesquisa para oncologia infanto-juvenil da América Latina,
recém-inaugurado na cidade de Campinas, SP.
De acordo com a médica, o Brasil ainda
não explora o potencial de interação entre institutos de pesquisa, empresas e
universidades, fator fundamental para que o Brasil se desenvolva como potência
científica – daí da ideia da criação do Centro de Pesquisa Boldrini, construído
com doação do Ministério Público do Trabalho.
“Nosso objetivo é mudar esse
cenário, traduzindo esforços em benefícios para os pacientes pediátricos, bem
como o fomento para iniciativas nacionais de produção de novos medicamentos
contra o câncer da criança e do adolescente. O Centro de Pesquisa Boldrini está
apto a ser protagonista nas diferentes etapas necessárias ao processo de
inovação e desenvolvimento de produtos. Além disso, a proximidade dos
laboratórios de pesquisa com o local onde se desenvolvem as atividades clínicas
(Centro Infantil Boldrini), coloca a estrutura em situação privilegiada para a
realização de estudos clínicos”, complementa Dra. Silvia Brandalise.
O Centro de Pesquisa Boldrini conta
com cerca de 5 mil metros quadrados de área construída, que abrigarão
laboratórios com tecnologia de ponta, para aumentar a produção e disseminação
de conhecimentos nas áreas de epidemiologia e da biologia molecular e celular
do câncer pediátrico. “A ideia é criar um ambiente de trabalho capaz de
absorver os conhecimentos científicos, em continuo diálogo com a equipe médica,
de modo a estimular ambos os lados a perceberem e criarem novas abordagens
diagnósticas e de tratamento dos pacientes” diz o Dr. José Andrés Yunes.
Nos países em desenvolvimento, como o
Brasil, o incentivo à pesquisa é sobretudo focado no doutorado. Posteriormente,
os pós-graduandos de maior excelência procuram inserção nos grandes
laboratórios e universidades internacionais e frequentemente os perdemos,
porque não oferecemos fácil assimilação, seja no ambiente acadêmico, seja na
indústria. O Centro de Pesquisa Boldrini terá como uma de suas metas
primordiais contribuir para a atração e retenção de talentos interessados na
investigação do câncer da criança, revertendo uma tendência já
estabelecida de perda de pesquisadores promissores, a
qual é altamente corrosiva para a consolidação da ciência e
tecnologia nacionais. O Centro de Pesquisa criará seu próprio programa de suporte
ao pós-doutorado e Jovens Pesquisadores, em colaboração com Agências Nacionais
e Internacionais de fomento. Estima-se que o Centro acolha em seu pleno
funcionamento cerca de 200 profissionais, dentre eles pesquisadores principais,
jovens pesquisadores, pós-doutorandos, doutorandos, mestrandos e técnicos de
nível superior.
“As instalações físicas para o
trabalho em sistema GMP (Good Manufacturing Practices) serão um
aspecto importante do Centro de Pesquisa Boldrini, com a perspectiva de
implementação futura de ensaios clínicos de fase I/II de terapias gênicas e
celulares de última geração. É possível, por exemplo, modificar geneticamente o
sistema imune dos pacientes, de forma a torná-lo capaz de eliminar as células
tumorais. Usando esta abordagem em alguns centros americanos e europeus, tem
sido alcançada a cura de crianças com leucemia resistente ao tratamento
quimioterápico, através da terapia com linfócitos modificados do próprio
paciente, via inserção de genes que produzem receptores ‘antileucemia’.
Todavia, o número de pacientes tratados em todo o mundo não passa de algumas
centenas, porque este tipo de intervenção é ainda muito caro e complexo.
Ademais, há pouquíssimas instituições que possuem instalações adequadas para
esta modalidade de imunoterapia e é muito difícil montar as equipes com a expertise multidisciplinar
altamente especializada necessária à sua implementação. O Centro de Pesquisa
Boldrini terá tanto as instalações, quanto a capacidade de formar uma equipe
com expertise de ponta, que nos permitam mover gradualmente na
direção deste novo tipo de medicina molecular” diz o Dr. Pedro O. de Campos
Lima.
O que o Centro de Pesquisa Boldrini tem a oferecer:
Diagnóstico molecular do câncer. O Centro Infantil Boldrini conta com uma equipe de elevada expertise em biologia molecular, notavelmente no sequenciamento de última geração e no rastreamento de Doença Residual Mínima (DRM) na leucemia linfoide aguda pediátrica. A isto se soma a existência de um parque instrumental no estado da arte para genômica e proteômica. Neste contexto, o Centro Infantil Boldrini se encontra em posição privilegiada para atuar como centro de referência nacional de diagnóstico molecular do câncer, em que podem ser aplicados os princípios de economia de escala, com consequente redução dos custos e aumento da acessibilidade aos exames moleculares por parte de pequenos hospitais
Embasamento para a criação do Centro
de Pesquisa Boldrini
O Centro Infantil Boldrini possui um
histórico de seriedade e respeito da comunidade médica e científica nacional e
internacional. Os números e conquistas impressionam. Ao longo de sua história,
o Boldrini já atendeu cerca de 10 mil pacientes encaminhados com a suspeita ou
o diagnóstico de câncer. Destes, cerca de 6 mil são sobreviventes e continuam
em acompanhamento.
Considerando os tratamentos de tumores
malignos, foram 8 mil casos, dos quais 6 mil alcançaram a cura, gerando um
índice de cerca de 68% de sobrevivência a longo prazo. Vale destacar que, ao
longo das quatro décadas de atuação, houve significativa redução das taxas de
mortalidade, colocando os resultados alcançados no Boldrini muito próximos ao
conquistados nos maiores centros internacionais.
Entre os destaques da atuação do
hospital, está sua liderança no GBTLI (Grupo Brasileiro de Tratamento de
Leucemia Linfoide Aguda da Criança). O Boldrini fundou o Grupo em 1979 e, desde
então, coordenou seus estudos clínicos prospectivos em leucemia (LLA-80,
LLA-82, LLA-85, LLA-93, LLA-99 e LLA-2009), desenvolvidos em diversas
instituições do país.
Para se ter uma ideia, antes de 1978,
as chances de cura da LLA estavam em torno de 5%. Com o estudo clínica LLA-80,
as taxas de sobrevida em 5 anos resultaram em 30%, acrescendo progressivamente,
nos estudos subsequentes, para 70-80%. É notável que a atuação e liderança do
Boldrini estimulou e propiciou, em nível nacional, a capacitação e treinamento
de profissionais de diferentes estados, nas novas tecnologias de diagnóstico e
tratamento da leucemia da criança.
Atualmente, o Boldrini é o único
representante do Brasil em Estudo Epidemiológico sobre o Meio Ambiente e o
Câncer da Criança, a convite do ICCCC (International Chilhood Cancer Cohort
Consortium)/WHO, para, ao lado de vários outros países, buscar fatores
relacionados ao desenvolvimento do câncer na criança.
Para alcançar esse patamar, trabalham
nas instalações do Centro Infantil Boldrini (que tem 130 mil metros quadrados
de área), 75 médicos, 684 profissionais multidisciplinares e cerca de 500
voluntários.
A complexa estrutura do Centro
Infantil Boldrini destaca-se não só pela alta tecnologia dos laboratórios de
hematologia, genética e biologia molecular, dos serviços de imagem, de radioterapia,
quimioterapia, e reabilitação, mas pela atenção e cuidado com que foi
construída, sempre pensando no bem-estar dos pacientes. Os 79 leitos da
internação constituem modelo arquitetônico modulado e funcional, que privilegia
o conforto dos pacientes e acompanhantes. Cada unidade da internação possui
nove quartos com banheiro privativo tanto para paciente quanto para o
acompanhante, dispostos de forma circular, ao redor da enfermaria, para
acompanhamento em tempo integral. Dez deles são de terapia intensiva.
Capacitação profissional - Nos últimos dez anos, o Boldrini contribuiu com a capacitação
de mais de 470 profissionais em atividades de estágio, residência médica,
mestrado, doutorado, pós-doutorado e aprimoramento profissional, nas áreas de
hematologia e oncologia pediátrica; clínica científica, radiologia,
radioterapia, reabilitação, anatomia e patologia. Somente em 2019, foram 138 profissionais capacitados pela
instituição.
O hospital recebe, adicionalmente, pós-graduandos das áreas de
enfermagem, psicologia, serviço social, nutrição, biologia, biomedicina e
física, para aprimoramento nas áreas de atuação do Boldrini.
Há cerca de sete anos, o Boldrini
criou o PEOp (Programa de Ensino de Oncologia Pediátrica), voltado para
alunos da graduação das áreas de saúde, com duração de seis semanas, em regime
de tempo integral, realizado exclusivamente durante o período de férias. A
finalidade deste estágio é introduzir os alunos nas áreas de diagnóstico
relacionadas ao câncer (imagem, imunologia, genética, epidemiologia, anatomia
patológica, hematologia e Biologia Molecular). O contato com estas áreas de
diagnóstico lhes propicia o desenvolvimento do senso crítico, estimulando-os
para a iniciação científica. Até o momento, 47 alunos participaram do Programa,
sendo alguns deles premiados nacional e internacionalmente por seus estudos.
Recursos Financeiros – O Boldrini atende 80% dos pacientes via SUS e
20% por meio de convênios privados. Os atendimentos do SUS geram 20% da
receita; os convênios, 30%; os 50% restantes são oriundos de doações de pessoas
físicas ou jurídicas.
Considerações Finais – O crescimento do Boldrini aconteceu de maneira
natural e é assim que vemos o futuro da instituição. Um desenvolvimento firmado
com a simbiose entre técnica e paixão. “Apesar da escassez de recursos para
pesquisa no Brasil, consonante com as dificuldades econômicas, sociais e
políticas do momento pelo qual passa o país, conseguimos avançar. Desejamos que
o Boldrini continue sendo a instituição que privilegia a criança e o
adolescente, proporcionando-lhes acolhimento humanizado, integral, capaz de
proporcionar desenvolvimento físico, mental e social, com qualidade de vida.
Nossos pequenos doentes merecem atenção e carinho”.