Os períodos de grandes sofrimentos, como a atual epidemia do
corona vírus, nos permitem conhecer a realidade de um país. A busca
investigativa do reflexo desta catástrofe através dos dados epidemiológicos,
populacionais, econômicos e sociais possibilita delinear e planejar ações que
minimizem os danos sofridos no presente e no futuro próximo.
Os ensinamentos gerados pela pandemia, se conjugam com o
aprendizado de outros conteúdos, como a cidadania e o espírito empreendedor,
que contribuem para a autonomia e formação de um novo Ser. Levam a pessoa ser capaz de olhar para fora
de si mesma, tomando contato com seu mundo externo. Quando se está atuando
desta forma, você não está mais só. E isto é verdade tanto para o plano
coletivo como para o individual.
Agudamente, emerge a necessidade de se atuar na comunidade.
Eclode o Voluntariado Corporativo por empresas, que passam a exercer
efetivamente a sua responsabilidade social. Surge a possibilidade de trabalho
com o Governo, para influir nas políticas públicas e alcançar a nossa visão do
Bem-estar social.
Imaginar um futuro que depende de nós mesmos, não significa
caminhar no corredor dos sonhos. Implica em atrair pessoas com talento e
realizar o seu potencial. Até quando tolerar que 15% das pessoas fiquem com 85%
dos benefícios da globalização? Um mundo que separa os que têm, daqueles que não
têm?
Um claro sentimento de urgência surgiu durante esta pandemia,
nos mobilizando a cristalizar nossas ações. A necessidade de uma mudança
fundamental em nossos relacionamentos, não somente com cada um, mas com toda a
natureza. Ao transcender as barreiras
geográficas, socioeconômicas e culturais, se permite um encontro por distintas
afinidades, de um novo empreendedorismo vinculado à Cidadania, ao cuidado com o
Meio Ambiente, ao cuidado da Saúde, delineando-se um novo projeto de Vida. Se descobre que não somos uma entidade, somos
uma causa. É um novo começo...
A brecha que se desponta na Saúde é exponencial. A Saúde de
hoje e a Saúde do Amanhã. Buscar a solução dos problemas do presente,
objetivando tomar as decisões para um futuro melhor. O século 21 demanda por
novas destrezas alicerçadas num pensamento criativo e crítico, um trabalho
colaborativo e em redes, na gerência de um novo conhecimento e modo de
vida. Homem a serviço do homem e da
Natureza , frase do médico Albert Schweitzer, agraciado com o Prêmio Nobel da
Paz em 1952.
Se descobre a importância da Ciência para a compreensão do
mundo atual e a solução dos principais problemas que enfrenta a humanidade,
como exemplo na área da Saúde, com foco prioritário nas doenças crônicas –
entre elas o câncer. Durante estes meses da pandemia, o câncer da criança e de
jovens, continuou a invadir nossos hospitais, em ritmo acelerado. De acordo com
o Instituto Nacional do Câncer (INCA) são estimados a cada ano cerca de 14.000
casos novos do câncer pediátrico no Brasil. Nos países desenvolvidos, o câncer
é a doença número UM, como causa de morte em crianças até 18 anos de idade.
No Brasil, milhares de crianças corajosas lutam contra o
câncer a cada ano, enfrentando batalhas que ameaçam a vida, que desafiam meninos
e meninas desde a mais tenra idade. Elas são cuidadas pelos familiares, amigos
e comunidades sociais que lutam juntos para socorrê-las neste período de grande
necessidade. Atualmente, os avanços nas pesquisas tornaram o câncer pediátrico
mais tratável do que ocorria na década de
1970. Todavia, os tratamentos para o câncer pediátrico não mudam há 30
anos. Não surgiram outras opções terapêuticas para a criança. Em quase 20 anos,
somente uma nova droga foi expressamente desenvolvida para as crianças com câncer.
Não há novas drogas para o câncer infanto-juvenil, por que
não existe o financiamento suficiente para o desenvolvimento de drogas para
esta faixa etária. Nos Estados Unidos, somente 4% dos gastos federais para as
pesquisas em câncer, são destinados para as pesquisas do câncer em crianças. E,
ao contrário do adulto com câncer, o câncer pediátrico quase não dispõe de
nenhum fundo para a pesquisa realizada pela indústria farmacêutica. Os
laboratórios farmacêuticos não têm um incentivo por eles mesmos, para atender
as necessidades da criança doente. O câncer da criança corresponde a cerca de
2-3% dentre todos os tipos de câncer dos adultos. Trata-se de um pequeno
mercado consumidor.
Hoje, com os avanços obtidos pelas pesquisas clínicas
prospectivas e multicêntricas, tornaram o câncer pediátrico mais tratável do
que antes. Nos países desenvolvidos, a sobrevida em 5 anos aumentou para 80%,
mas sérios desafios continuam. As crianças que sobrevivem do câncer,
frequentemente lutam com significantes complicações mais tarde na vida e, por
isso os pesquisadores estão trabalhando para desenvolver tratamentos
especificamente para o câncer pediátrico. É urgente se desenvolver estudos
clínicos com as algumas dezenas de Terapias-alvo descobertas nesta última
década e já em uso para tratar o câncer do adulto. Entretanto, elas ainda não
são autorizadas pelas Agências Reguladoras, para possível benefício na faixa
pediátrica. Um movimento internacional em favor desta aceleração, clama por
esta urgência do FDA (Food and Drug Administration) e da EMA (European
Medicines Agency) a fim de possibilitar este benefício terapêutico para os
jovens acometidos com esta doença tão catastrófica.
Ainda sabemos muito pouco sobre as causas do câncer na
criança e no adolescente, se configurando como séria preocupação os níveis
ascendentes de casos novos diagnosticados a cada ano. Esforço internacional da
Organização Mundial da Saúde, se materializou na criação do Consórcio
Internacional do Câncer da Criança (International Childhood Cancer Cohort
Consortium) (https://www.isglobal.org/en/-/i4C-international
childhood-cancer-cohort-consortium), com foco nos estudos epidemiológicos de
exposição ambiental dos pais e a ocorrência do câncer na criança. No Brasil, o
Centro Infantil Boldrini em Campinas, integra este consórcio.
É imperioso investir em Educação, Inovação e Globalização do
conhecimento. Transformando a
filantropia empresarial articulada com a rede do setor público, setor privado,
terceiro setor e Universidades/Institutos de Pesquisa , em muito se avançará em
novas descobertas. As alianças não são difíceis e requerem visões a longo
prazo.
No momento de se debater como cortar os gastos com a Saúde,
deveremos ter a certeza de que protegemos aqueles que não são capazes de
levantar a voz por si mesmos. Veja o baixo interesse na pesquisa contra o
câncer pediátrico. As crianças doentes não podem advogar por elas mesmas. Elas
não votam. Elas não contribuem para campanhas. Elas não têm lobistas.
O Governo Federal deveria investir mais na pesquisa do câncer
pediátrico. Entretanto, reconhecemos a presença de inúmeras outras demandas
educacionais, sociais e da saúde. Vamos então usar as forças do mercado e
técnicas de financiamento inovadoras para preencher esta lacuna. A título de
exemplo, o Centro Boldrini descobriu em parceria com a Universidade Federal de
Santa Catarina (UFSCAR), uma nova droga altamente promissora – em estudos
pré-clínicos- para o tratamento do câncer pediátrico, que já foi patenteada em
países, como Rússia, Itália, França, Alemanha, Inglaterra e Suíça. Ainda
aguardando a análise e decisão do Canadá e Coréia do Sul. Com a aquisição
destas patentes, será um orgulho ser o Brasil o detentor da mesma. A seguir
caminharemos para a obtenção do registro na ANVISA, para o desenvolvimento dos
estudos clínicos prospectivos.
Precisamos buscar na
filantropia empresarial investimentos estruturantes , não apenas nas
emergências e pandemias, mas enraizar a cultura de doações corporativas,
compartilhadas com as instituições de pesquisa e poder público, visando a
promoção do desenvolvimento de jovens pesquisadores no Brasil e autonomia no
país no desenvolvimento de novos medicamentos.
Nada justifica nosso país importar de diferentes países, vários princípios ativos contra o câncer e outras doenças graves, e simplesmente envasá-los em nosso país. Este é um papel secundário, altamente dependente do mercado internacional, além de desmotivador para a permanência em nosso país de milhares de pós-graduandos egressos das Universidades brasileiras, que com frequência após a formatura, migram para os países desenvolvidos. Jovens pesquisadores, altamente engajados com novas tecnologias, utilizando seus expertise em nosso país, representam a cristalização do almejado desenvolvimento sustentável da nação.
* A Dra. Silvia Brandalise fundadora e diretora do
Centro Infantil Domingos A. Boldrini e do Centro de Pesquisas Boldrini.
Professora aposentada do Departamento de Pediatria/FCM/UNICAMP e membro
fundador da Sociedade Brasileira de Oncologia Pediátrica. Tem reconhecimento
nacional e internacional na luta contra as doenças hematológicas e neoplásicas
na infância e sempre lutou pelos avanços do tratamento buscando a cura e
melhor qualidade de vida para esses pacientes.